Coluna do Marmaga

30 anos do Plano Real: veja as lições históricas e alertas para a economia de hoje

11 jul 2024, 12:39 - atualizado em 15 jul 2024, 8:42
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Plano Real: Ao longo desses últimos trinta anos, vimos o nosso sistema democrático servir de escudo para a tomada de assalto do orçamento público. (Imagem: Pixabay/joelfotos)

Neste mês de julho, completam-se trinta anos do início da implementação do Plano Real. No meu ponto de vista, a mais relevante política pública da história da nação, com impactos impressionantes e longevos sobre a economia, a política e, sobretudo, a vida dos nossos cidadãos.

O momento é de relembrar esse fato histórico, avaliar os seus resultados e celebrar as pessoas que estiveram por trás desse projeto.

Não acredito em anjos ou demônios, mas fica claro para mim o quanto aqueles economistas, políticos e gestores públicos que formularam, implementaram e viabilizaram o plano estavam, e estão, muito próximos do lado positivo do espectro de comprometimento público, dignidade, honradez e competência. Muitos desses adjetivos raros na atual cena política e econômica do nosso país.

A Revista Piauí, em sua edição de número 213, de junho de 2024, traz um artigo do economista André Lara Resende, um dos principais formuladores do plano. Neste artigo ele nos presenteia com uma cópia – literalmente uma espécie de “xerox” comentada do documento intitulado “As Notas para exposição de motivos”.

O texto preparado por ele fora entregue a Clóvis Carvalho, outro membro da equipe montada por FHC como Ministro da Fazenda, em novembro de 1993 e, nas palavras do autor, é a “certidão de nascimento do Real”.

Esse documento é histórico. Uma aula de economia e civismo que deveria ser objeto de menção e leitura obrigatória na disciplina de História do Brasil no ensino médio. O documento de treze páginas faz uma avaliação clara e concisa das razões da hiperinflação de então e do fracasso dos planos econômicos que antecederam o Real.

O autor faz uma avaliação econômica das causas-raiz da inflação, seus efeitos e, sobretudo, o papel do Estado e do orçamento público na origem do fenômeno inflacionário.

Tudo isso como embasamento técnico e histórico para a formulação dos conceitos macroeconômicos do plano que, passando pela ideia inovadora de combate à indexação, propõe uma reformulação abrangente do orçamento público antes, durante e, após a implementação da nova moeda.

Seleciono abaixo algumas das sentenças que mais me impressionaram:

  • “Não há política social mais urgente. Para melhorar a distribuição de renda, combater a fome, permitir o crescimento e criar empregos, nada é mais eficaz do que acabar com a inflação”;
  • “Para acabar com a inflação não há atalhos. Congelamento, expropriação de ativos financeiros, alongamento compulsório ou monetização da dívida pública, quebra de contratos privados, choque surpresa, devem ser conceitos banidos até mesmo da discussão.”
  • “É preciso compreender que cortar e racionalizar gastos públicos não é insensibilidade tecnocrática, mas a verdadeira política social.”
  • “Assim como a reorganização fiscal, a confiança da moeda é um longo processo de reeducação, tanto das autoridades responsáveis pela sua emissão como do público…. infelizmente não há atalhos. A estabilização definitiva é um programa de reeducação que toma tempo e requer coerência e persistência. A ansiedade por resultados imediatos é compreensível, mas altamente perigosa como a própria experiência brasileira demonstrou”.

A passagem simbólica dos 30 anos, nos serve para lembrar e para constatar, com tristeza, como as nossas lideranças rejeitaram durante este período este processo de reeducação.

Parece-me que, no Brasil atual, estamos justamente a buscar atalhos, soluções fáceis e resultados imediatos, ou, pior, apenas resultados que alimentem os interesses dessa mesma elite dirigente e não os interesses da nação e do seu povo.

Neste exato momento, presenciamos uma disputa de versões diárias de nossas autoridades sobre questões como a taxa de juros, o déficit público e a necessidade, ou não, de se cortarem os gastos públicos.

Procura-se justamente, e mais uma vez, usar uma retórica divisiva, dos nós contra eles, dos bons contra os maus, atribuindo intenções sempre malignas a essa entidade chamada “mercado”, como se este fosse a voz se contrapondo aos interesses mais amplos da nação. E assim vamos ignorando as questões estruturais e postergando ou evitando as soluções estratégicas que poderiam realizar o enorme potencial econômico deste país.

Voltando ao documento de Lara Resende, aprendemos como “a inflação crônica é resultado de um longo processo de desordem fiscal e monetária que espelham demandas sociais e conflitos políticos que os canais institucionais foram incapazes de equacionar.

Os processos inflacionários resultam, em última instância, de demandas incompatíveis com os recursos e a renda nacional” (grifo meu).

Tristemente, ao longo desses últimos trinta anos, fomos vendo o nosso sistema democrático servir de escudo para a tomada de assalto do orçamento público por diversos grupos de interesses de uma forma crescente.

Embasados por preceitos constitucionais, interesses de classe, acordões entre os poderes da república, e outros jogos de interesse restrito, o orçamento público foi ficando cada vez mais amarrado, restando uma pequena parte a ser efetivamente gerida, por qualquer que seja a linha política ou ideológica dos governantes do momento. Está aí, neste loteamento dos recursos públicos por grupos de interesse dos mais diversos, a causa raiz da incompatibilidade das demandas reais com a disponibilidade orçamentária possível.

Como resultado, temos uma tendência crônica de déficits, mesmo nos aproximando de níveis intoleráveis de taxação, associados a uma deterioração contínua da capacidade do Estado de prestar os serviços essenciais de saúde, educação e segurança com a mínima qualidade.

Me parece que a única saída possível, e mais uma vez sem atalhos e requerendo uma reeducação, passa pelo fortalecimento democrático de lideranças que estejam, como os pais do Real, comprometidas com os interesses da nação.

É preciso que tais lideranças sejam capazes de construir um discurso que atraia a maioria da população, mesmo no
momento em que as redes sociais e artifícios de inteligência artificial são usadas em prol da polarização e das tais soluções fáceis.

Não vejo hoje essa combinação, seja no Brasil ou no mundo. Mas temos que ter a esperança de que teremos algum dia, e que não venha apenas quando já estejamos à beira do abismo.

P.S.: no exato momento em que revisava a última versão deste artigo, recebi a notícia terrível do falecimento de um amigo, em um acidente que, mesmo sendo de uma fatalidade absurda, de alguma forma parece ter ligação com as questões estruturais aqui levantadas. Dan nasceu poucos meses após o Plano Real, em dezembro de 1994, em um momento de esperança deste país. Empreendedor bem-sucedido, corajoso, sensível, sua partida parece representar de certa forma uma perda dessa esperança. Não, certamente não temos o que comemorar neste momento. Saudades!!

Marcelo Magalhães é um consultor e executivo com mais de quarenta anos de experiência em gestão, e como CEO de companhias de capital aberto. Baiano de Salvador, está em um período sabático se dedicando a estudos e projetos ligados a sustentabilidade e projetos sociais.
marcelo.magalhaes@autor.moneytimes.com.br
Marcelo Magalhães é um consultor e executivo com mais de quarenta anos de experiência em gestão, e como CEO de companhias de capital aberto. Baiano de Salvador, está em um período sabático se dedicando a estudos e projetos ligados a sustentabilidade e projetos sociais.
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