2023 será o ano da quebradeira? ‘Americanas (AMER3) é só o começo’, diz especialista
O ano de 2023 dava sinais de que seria melhor, até que em 11 de janeiro a Americanas (AMER3) soltou fato relevante anunciando que seu CEO então empossado, Sergio Rial, havia descoberto uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões, o dobro do valor de mercado da varejista na ocasião.
A ação entrou em colapso, as agência de crédito cortaram ratings, investigações na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) foram abertas.
Mas, mais do que isso, ao caso Americanas se seguiu uma série de outras empresas em dificuldades que, ou pediram reestruturação das dívidas, como Light (LIGT3), Marisa (AMAR3) e Tok&Stock, ou entraram com pedido de recuperação judicial, como a Oi (OIBR3) e a Nexpe (NEXP3), tradicional empresa do setor imobiliário que até ano passado atendia por Brasil Brokers.
Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4), que tiveram seus ratings abaixados para quase calote, conseguiram certo alívio. A CVC (CVCB3) também caminha para um acordo, segundo Lauro Jardim, do O Globo.
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Coincidência ou não, a Livraria Cultura, que vinha em dificuldades desde 2016, chegou a ter sua falência decretada — os fundadores conseguiram na Justiça uma sobrevida à marca. Já os Chocolates Pan, fundado em 1935, não teve a mesma sorte e acabou de vez.
De acordo com o Serasa, só neste comecinho de ano, 92 companhias solicitaram auxílio para cumprir com suas dívidas, alta de 37% em comparação a 2022 e disparada de 90% ante janeiro de 2020.
E, mais do que isso, em janeiro 72 empresas entraram com pedido de falência, segundo o mesmo instituto. Dessas, 19 são de grande porte.
“Não me espanta ver uma Oi pedir de novo RJ. Me preocupa ver uma Raiola pedir RJ, com setores que deveriam ser mais resilientes. Isso significa que os balanços das empresas podem estar abarrotado de dívida (que captaram a taxa baixa durante a pandemia) e que agora está pesando muito pois a taxa de juros está insustentável”, nota Salvatore Milanese, sócio da Pantalica Partners.
A Raiola, que produz azeites e azeitonas em conserva, entrou com um pedido de recuperação no valor de R$ 153 milhões.
Vem quebradeira por aí?
Especialistas que conversaram com o Money Times não são unânimes em assegurar se o ano será marcado pela quebra de grandes empresas. Apesar disso, a alta de processo de recuperações judiciais e extrajudiciais já é uma realidade.
“O ano de 2023 está sendo o ano da recuperação judicial. A quebradeira é mais para frente. A RJ se mostra um instrumento de postergação de falência”, assevera Max Mustrangi, sócio fundador da Excellance, butique especializada na recuperação da performance financeira de empresas.
Para ele, a conta pela crise econômica provocada pela Covid chegou. Na época, só serviços essenciais puderam funcionar, o que trouxe uma onda de demissões e uma crise nunca vista. O PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil afundou 3% em 2020.
“O que acontece depois de dois anos de crise da Covid é que muitas empresas se endividaram em meio à alta da Selic. O aumento de juros fez com que a parcela paga se tornasse maior. O que naquele momento era barato, agora é caro”, discorre.
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Ele compara o fenômeno a um empréstimo imobiliário. Imagine contratar um financiamento de 30 anos a juros de 2% ao ano. De repente, essa taxa pula para 13%. Foi o que aconteceu com as empresas que se endividaram, para manter o negócio em pé ou abrir novas frentes.
E, para dificultar, o seu rendimento não cresceu na mesma proporção. “Apesar de reportar aumento das vendas, o custo das empresas estão subindo ainda mais. A margem está caindo, e grande parte dela é para pagar juros dos bancos, enquanto esses juros estão crescendo rápido”, complementa Mustrangi.
Milanese, da Pantalica, lembra que a inadimplência no Sistema Financeiro Nacional foi segurada na pandemia porque:
- ainda tínhamos taxas de juros baixas;
- o BC e o Governo injetaram muita liquidez, que deu um alivio no caixa das empresas.
“Mas isso ia, mais cedo ou mais tarde, explodir. A inflação forte nos anos da pandemia ficou comendo as margens de lucro das empresas. A dívida aumentou. Quando a taxa de juros aumentou de 2% a 13.75% ao ano em menos de 12 meses, o gatilho foi apertado. As empresas começaram a inadimplir. A inadimplência de pessoas físicas, micro e pequena empresa e empresas médias está nas alturas (dados do Bacen)”, garante.
Ele relata, ainda, que as grandes companhias estavam se segurando por conta dos melhores canais de financiamento que possuem.
“Agora, com Americanas e demais grandes casos, se gerou um efeito perverso, com vários fornecedores dessas empresas grandonas tomando calote. Sim, 2023 vai ser um ano complicado para crédito”, completa.
Milanese recorda que no Sistema Financeiro Nacional há 7% de créditos problemáticos (quase R$ 700 bilhões) ou seja, empresas com grande probabilidade de dar calote a seus credores. “Estamos só no começo”, prevê.
Crise de crédito
O grande temor, agora, é uma crise de crédito se alastrar pelo sistema, o que pode piorar um cenário ruim. Grandes nomes do mercado e o governo já estão alertando para o risco.
Nesta semana, Luis Stuhlberger, da Verde Asset, disse que há “sinais de um incipiente credit crunch (crise de crédito) atingindo a economia brasileira”.
Na carta em que apresenta o desempenho do Fundo Verde em fevereiro, a gestora afirma que essa crise só pode ser enfrentada com “boas políticas públicas e não bravatas”.
Um credit crunch ou crise de crédito é caracterizado pela redução repentina da oferta de crédito, ou pelo rápido endurecimento das condições exigidas pelos donos do dinheiro para emprestá-lo, como os juros mais altos ou a necessidade de fornecer mais garantias.
A questão é que a os bancos serão mais exigentes em empréstimos após o rombo da Americanas, que fez o lucro de Itaú Unibanco (ITUB4), Bradesco (BBDC4) e Santander (SANB11) despencarem.
“O mercado financeiro ficou apavorado e fechou as portas. Ou seja, essas empresas querem alongar as dívidas e encontram custos ainda mais caros, exigindo garantias ainda maiores, o que dificulta rolar dívida. Quando você não consegue rolar dívida, entra no risco do calote. Isso pode se converter em um pedido de falência”, discorre Mustrangi, da Excellance.
Ele revela ainda que o mercado de crédito também secou. “Quem estava no limite, é obrigado a se ajoelhar para pedir RJ ou falir. Eu converso com bancos todos os dias e temos uma crise de crédito brutal e está todo mundo mais restritivo nas concessões”, observa.
Por outro lado, Eduardo Seixas, sócio-diretor da Alvarez & Marsal, esclarece que crises de crédito são cíclicas e, ao que tudo indica, estamos entrando em uma.
“A última vez que tivemos foi em 2016 com o processo de impeachment da Dilma, com a economia bastante deteriorada, e agora tivemos uma pandemia e que movimentou muito o mercado de recuperação judicial. Se os credores não tivessem flexibilizado, com certeza teria estourado ali”, argumenta.
Seixas calcula que em 2023 tenhamos um aumento significativo em comparação com os últimos anos, na casa de 900 ou 800 pedidos de recuperação judicial. “Entendemos que esse número irá aumentar até mais de 50% em relação ao ano passado. Não como em 2016, mas maior do que nos últimos que estava estabilizado”, completa.
Milanese, da Pantalica Partners, diz que se o sistema financeiro público e privado não se unirem para diagnosticar bem a situação e agir rápido, 2023 pode ser o ano das quebradeiras a rodo no Brasil.
“Agir significa: empresa com uma operação boa e competitiva precisa ser ajudada alongando as dívidas, convertendo em capital a dívida em excesso (criando fundos ad hoc que possam fazer isso). Já as empresa ruins ou que fraudaram, podem ser deixadas ao destino delas”, pondera.
Em entrevista ao Estadão, o secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, afirmou que o governo vem monitorando a situação diariamente e que pode criar medidas compensatórias que garantam liquidez às empresas.