2020 premia qualidade do café brasileiro e sistema que capitaliza produtor
Com uma safra recorde em 2020, exportações caminhando para superar em 5% as máximas históricas de 2019 e um clima irretocável para a qualidade, o café do Brasil viveu um ano sem precedentes em que, apesar da pandemia, tudo deu certo para coroar esforços de uma cadeia produtiva estruturada para fortalecer seu principal elo: o produtor.
Assim, atribuir os bons resultados da safra deste ano somente ao clima ou ao dólar valorizado favorável a exportações seria ter um olhar reducionista sobre a cafeicultura no maior produtor e exportador global, um país que está próximo de completar 300 anos de cultivos de café.
Com pesquisas agronômicas e sobretudo um esquema de comercialização que garante renda ao produtor, o Brasil elevou a produtividade média em mais de 40% na última década, a patamares acima de 30 sacas de 60 kg/hectare, usando técnicas como o adensamento das lavouras e a “safra zero” (podas em talhões que estão no ano de baixa bienalidade do arábica para maior produção em ciclos de alta), além do aumento da irrigação.
“No mundo não existe nenhum país que repassa ao produtor o que o Brasil repassa… Nos últimos cinco anos, 81,5% do valor médio de exportação de café (base FOB) foi repassado à produção”, assinalou o presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Nelson Carvalhaes, ao citar à Reuters um levantamento feito pela entidade.
Ele atribuiu o sucesso da cafeicultura brasileira, que deverá fechar o ano com exportações de 43 milhões de sacas –após exportar nos últimos três meses volume equivalente à produção da Colômbia de janeiro a novembro–, à boa saúde financeira do produtor.
Além disso, citou o sistema cooperativista, que permite ao segmento formado em sua grande maioria por pequenos agricultores travar custos antecipadamente, garantir lucros e realizar investimentos.
Essa remuneração deve-se ao “mercado livre, maduro, transparente” do país, ressaltou Carvalhaes, integrante de família com um centenário negócio de corretagem de café.
“Quero lembrar que o maior exportador de café é uma cooperativa de café, a Cooxupé”, disse Carvalhaes, sobre a instituição com sede no Sul de Minas que também atua em São Paulo.
O maior rendimento agrícola e os lucros permitem também ao cafeicultor focar em práticas sustentáveis, e a área do cafeeiro caiu 14% nos últimos 20 anos, para 1,88 milhão de hectares, ao mesmo tempo em que a produção saltou, provando que a agricultura pode expandir sem ser vetor de desmatamento. Segundo a Conab, a safra subiu 28% só em 2020, a 63,08 milhões de sacas.
Com uma produção desta magnitude, o Brasil responde por quase 30% das mais de 60 milhões de sacas certificadas no mundo por órgãos como RainForest Alliance, UTZ, 4C e Fair Trade, conforme a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), que estimou neste mês que produtores investiram mais de 1 bilhão de reais em 2020 em energia solar, reflorestamentos e uso responsável de água, além de programas de polinização entre criadores de abelhas e cafeicultores, entre outros.
Se conta com uma robusta estrutura para negócios, o setor também trabalha com financiamentos do programa governamental Funcafé, que na safra atual atingiu quase 6 bilhões de reais, sendo destinados a custeio, capital de giro, comércio, etc.
Todo o sistema, que impulsiona inclusive necessários investimentos em processos de pós-colheita, tem garantido uma maior oferta de cafés de qualidade, gerando um ciclo virtuoso, uma vez que produtores obtêm com esses grãos prêmios de 40% sobre os chamados “naturais/médios”, conforme dados do Cecafé.
Valorizados, esses grãos “diferenciados” do Brasil tiveram aumento de cerca de 30% na exportação em cinco anos, para mais de 7 milhões de sacas, representando quase 18% dos embarques brasileiros de janeiro a novembro de 2020, segundo o Cecafé.
Esse expressivo volume de grãos de qualidade fica ainda mais evidente quando se observa uma disparada na certificação do café brasileiro pela exigente bolsa ICE, a patamares superiores a 300 mil sacas até 16 de novembro, versus menos de mil sacas na mesma data de 2019.
Em 2021, contudo, a situação deve ser mais desafiadora para o café brasileiro, devido à seca e ao ano de baixa do ciclo bienal do arábica. Mesmo assim, Carvalhaes notou que as técnicas agronômicas e investimentos têm reduzido a intensidade da quebra decorrente da bienalidade.
Automação
Outro diferencial da cafeicultura brasileira é o perfil de produtores, que somam mais de 300 mil no Brasil, mas são em sua grande maioria pequenos e médios, o que ajudou no enfrentamento da Covid-19 durante uma grande safra.
Muitos agricultores familiares, responsáveis pela própria colheita, puderam manter um relativo isolamento –os trabalhos começaram quase que simultaneamente à pandemia, entre abril e maio.
Além disso, a mecanização em grandes propriedades permitiu que as atividades corressem bem, favorecidas pelo tempo seco, comentou o CEO da Pinhalense Máquinas Agrícolas, Reymar Coutinho de Andrade, ressaltando que o Brasil teve a sorte de ofertar a nova safra quando países europeus saíam dos “lockdowns”.
“Foi uma safra histórica por vários aspectos, e neste momento o Brasil ganhou uma competitividade jamais vista”, acrescentou Andrade, que está à frente da maior indústria de máquinas para processamento de café do mundo, instalada no interior de São Paulo.
Para ele, o café a cerca de 1 dólar por libra-peso na bolsa ICE não é “atrativo” para os concorrentes do Brasil, mas é um bom patamar para os brasileiros, que contaram ainda com o câmbio em máximas históricas ao longo do ano, de cerca de 6 reais, o que aumenta os ganhos na moeda brasileira.
“É uma verdade que nos últimos anos o café vem progressivamente capitalizando o produtor, e o produtor mais capitalizado vem reinvestindo na sua propriedade, não só em tecnologias de insumos, fertilizantes, manejo fitossanitário, mas ele vem investindo bastante em mecanização”, acrescentou.
Além das colheitadeiras, a mecanização no ambiente da pós-colheita fez com que os produtores deixassem as suas fazendas mais bem estruturadas para as adversidades climáticas, com a ampliação da estrutura de secagens das fazendas e uma aposta cada vez maior no diferencial da qualidade.
“O produtor vem investindo fortemente nos separadores de verde e descascadores de ‘cereja'”, disse o executivo.
Com esse desenvolvimento da cafeicultura, afirmou Andrade, o Brasil se firma como a origem com maior capacidade de entregar ao mercado os mais diferentes perfis de bebida, “algo que um comprador internacional teria que buscar em inúmeros países”.
“Os produtores centro-americanos, colombianos e africanos estão perdendo fatias de mercado… hoje a qualidade que eles têm nós também temos”, confirmou o pesquisador Celso Vegro, do Instituto de Economia Agrícola (IEA), ponderando que o “cereja” brasileiro é tão bom quanto o grão lavado da Colômbia.
“A produtividade no trabalho ou no preparo é muito superior no Brasil, conseguimos altíssima qualidade a preço competitivo. E para coroar todo esse processo, o Brasil passou a ter também indicações geográficas”, acrescentou Vegro.
Segundo ele, se a Colômbia tem a sua tradicional marca Juan Valdez, o Brasil possuiu indicações geográficas, “o que permite que o mercado tenha interesse em descobrir o café brasileiro”.
“As regiões se organizaram para mostrar, não estão mais dependendo do exportador para vender lá em Santos”, disse ele, lembrando que há as origens do Cerrado Mineiro, Mantiqueira de Minas, Alta Mogiana, Norte Pioneiro do Paraná, Oeste da Bahia, Região de Pinhal, Campo das Vertentes e Matas de Minas, além do robusta amazônico, de Rondônia, e do conilon do Espírito Santo.