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2019: O ano das investidoras no Brasil

19 dez 2018, 14:15 - atualizado em 19 dez 2018, 14:15

Por Elaine Fantini, jornalista – siga no Instagram

Como diz Pedro Malan, “No Brasil, até o passado é incerto”. E de algo incerto, fica difícil esperar justiça. Em algum momento, ela vem, mesmo que seja tarde (sigo acreditando nisso). E uma das maiores injustiças com que me deparei recentemente foi o caso de Eufrásia Teixeira Leite. Muito pouco se fala sobre primeira brasileira a investir na bolsa e muito menos se reconhece com a importância que merece o legado que ela deixou.

Aliás, no quesito “reconhecer grandes investidoras da história” digamos que estamos errando feio não só com a brasileira. Já falaremos mais sobre isso.

Eufrásia começou a investir na década de 1870, quando órfã de pai e mãe, passou a administrar a herança dela e da irmã. Um fortuna equivalente a 5% do PIB do café na época. Ao se mudar com a irmã para Paris, conheceu o jovem Joaquim Nabuco – que viria a se tornar um expoente das letras, política e defensor da abolição dos escravos – durante a viagem de barco.

Namoraram e veio o pedido de casamento. Ela queria casar em Paris. Ele, no Brasil. Se Eufrásia aceitasse o casamento em terras brasileiras, toda sua herança passaria para o marido. Era assim que funcionava a lei na época. Ela disse não. O romance seguiu por caminhos tortuosos ainda durante algum tempo. Mas não é nisso que estamos interessadas aqui.

Eufrásia operou por 55 anos, em 17 países diferentes e em nove moedas. Na Europa, comprou papéis de empresas que produziam as tecnologias ligadas à Segunda Revolução Industrial. No Brasil, comprou ações do Banco Brasil, de companhias têxteis, da Companhia Antárctica Brasil (sim, tem tudo a ver com a Ambev de hoje) e muitas outras empresas. Multiplicou sua fortuna.

Original de Vassouras, no Rio de Janeiro, foi uma grande filantropa da região, financiando escolas e hospitais. Sua antiga residência é hoje um museu que guarda um pouco de sua história. Foi sem dúvida, uma das mulheres mais ricas de sua época. Em valores correntes, Eufrásia seria hoje bilionária. Nunca se casou. Tornou-se uma mulher independente e viveu sua vida conforme suas escolhas. Uma vanguardista.

Posso contar nos dedos de uma mão apenas, as investidoras que conhecem essa história. Eu mesma não a conhecia até há pouco tempo atrás, quando Mariana Ribeiro, que pesquisou os passos de Eufrásia por mais de sete anos e possui mais de 34 mil documentos sobre sua vida, me apresentou essa mulher incrível.

Afirmo com segurança que, ao contrário do que dizem, não faltam referências para as mulheres no mercado financeiro. Falta reconhecimento para aquelas fizeram história e aquelas que seguem buscando seu lugar hoje, seja como profissionais, seja como investidoras.

Nos Estados Unidos, a história é parecida. Também foi em 1870, Victoria Woodhull se tornou a primeira investidora de Wall Street. Era chamada de anarquista, por lutar pelos direitos da mulher, tanto no movimento sufragista quanto por sua independência financeira. Candidatou-se à Presidência dos EUA, quando nem votar as mulheres podiam. Foi presa por isso. Abriu a primeira firma de investimentos para mulheres e foi obrigada a fechá-la.

Não estava sozinha. Com ela, outras pioneiras lutaram pelo direito das mulheres de investir. Se tiver interesse, você pode conferir essas histórias incríveis no livro Ladies of the Ticker, de George Robb (disponível somente em inglês).

Na década de 1960, circulava por Wall Street, uma newsletter sobre estratégia de investimentos em dividendos assinada por G.Weiss. Era algo novo para época e foi a base para muitos investidores ganharem dinheiro no longo prazo. A autoria era de Geraldine Weiss, uma mulher que se escondia por trás das iniciais para ser respeitada em seu pensamento.

Sete anos mais tarde, Muriel Siebert tornou-se a primeira trader dos Estados Unidos. A única mulher entre 1375 homens. Lutou contra o machismos, financiou iniciativas de educação financeira para o público feminino e abriu passagem para muitas depois dela.

Se procurar direitinho, não vão faltar exemplos de mulheres que fizeram história no mercado financeiro. Mas quando se fala em grandes ganhadores de fortunas, os nomes mais citados são apenas os dos homens: Warren Buffett, Charlie Munger, George Soros, Howard Marks, Ray Dalio… e por aí, vai. Não estou aqui desmerecendo o feito deles – isso jamais poderia ser feito. Não me entenda mal. Apenas questiono, por que somente eles?

A boa notícia é que estamos vivendo uma grande transformação. E vai ficar cada vez mais difícil ignorar as conquistas e contribuições das mulheres no mercado de capitais. Vamos a apenas três exemplos para não nos estendermos demais:

Sallie Krawcheck – fundadora da Ellevest, uma empresa de investimentos americana feita por mulheres e para mulheres, exclusivamente.

Stacey Cunningham – primeira mulher a assumir o comando da Bolsa de Nova York em 226 anos.

Leda Braga – brasileira, fundadora e CEO da Systematica Investments, com sede em Genebra e US$ 10,2 bilhões sob gestão.

O Femme Economicus nasceu para conectar mulheres e mercado financeiro. Uma das formas de fazer isso é dar luz para as mulheres nesse mercado, pois representatividade importa sim.

E há uma nova geração, atuando em diversas frentes, daquilo que podemos chamar de feminismo financeiro (financial feminism, em breve um artigo sobre isso) mostrando que dinheiro é sim assunto de mulher. Nina Silva (Movimento Black Money), Gabriella Gomes (No Front), Nathalia Arcuri (Me Poupe!), Mirna Borges (Economirna), Gabriela Forlin (Mão de Vaca Profissional), Julia Mendonça, Lavínia Martins, Gabriela Mosmann, Carol Paiffer (Atom), Ana Laura Magalhães (Explicaana)… e a lista continua.

Em 2019, começam as atividades do Conexões Femme, que irá promover encontros virtuais e presenciais para mulheres investidoras. Não estou sozinha nessa empreitada, o nome Conexões não é em vão. Tenho o privilégio de contar com Itali Collini e Mariana Ribeiro. Amigas e parceiras, que os investimentos trouxeram pra mim.

No que depender de nós, 2019 será o ano das investidoras no Brasil. De Eufrásia e de todas nós. Nossa ambição é reunir o máximo de pessoas possível em favor desse propósito. Você é muito bem-vinda ou bem-vindo.

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